domingo, 27 de novembro de 2016

o cantar das vidraças


I. 


              
escuta daqui essa abafada música
que se eleva das vidraças
e das flores presas nas janelas
e das mulheres por detrás das portas
e das maçanetas que por um segundo
já se sabem tão certas
do abandono
escuta daqui enquanto a madrugada
pede contorno de sua própria
placidez de sono
preste bastante atenção:
nos pássaros que daqui se dispõe a cantar
e naquele ritmo tão distante dos portões
e no tilintar violento do ferro
e naquela lâmina que desceu de Plutão
e nos partiu em metades tão improváveis





II.  

             ouve bem para que nunca diga
que não te avisei
toquei hoje um planeta impossível
nos nós de meus dedos ainda sobra
a poeira daquele sem nome
toquei a campainha de casa
vestido de irreconhecíveis metais
anunciei-me dezessete vezes
ao que tudo respondia
um silêncio
de longe latia aquela cadela manca
daqueles vizinhos caolhos
dessa civilização perdida
eu permanecia parado no umbral
sem certidão
sem planeta
um par ridículo de meias
e a esperança de sempre
e sempre
haver a certeza da casa

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