I.
eu não tenho
ouvido as cartas
ou os sabiás 
ou aquele rosto
entalhado
na minha porta
eu não tenho
ouvido a voz
que diz “vai
calado”
mas
principalmente
eu não tenho
ouvido
da minha própria
boca
nem bebido da
minha
própria água
eu não tenho
sede 
que se cale por
minhas próprias
mãos
não, eu não sei
ouvir de cacos
esparramados
pela varanda
nessa madrugada
fria
às duas e trinta
e cinco da manhã
é dia vinte e
três e o sol 
nós não nos
preocuparemos com ele
eu tenho me
esquecido
veja, fazem doze
anos 
úteis
e uma porta
entre suas mãos
disse-me numa
noite
que eu não era
bom o bastante
isto ouvi 
II.
não lhe
permitirei
navegar teus
barcos
sob minha pele 
 pois não lhe cabe descobrir
aqui
abrigo
há por debaixo
de minha cômoda
um imenso rato
preso docemente
ao chão
este será seu
primeiro presente
depois
um nó em minhas
costas
abertas
uma mariposa
entre meus dentes
um par de unhas
partidas
uma orca
adormecida
debaixo do
umbigo
e então lhe
darei 
cravada em
madeira
sua imagem numa
proa
suas inicias 
marcadas em
minha boca
dura de sal
 
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