ele sabe voar
I.
como se num
salto evolutivo
as barbatanas
se tornam asas
pequenas
desajeitadas
o bagre veria
no pássaro
um semelhante
se não tivesse
as guelras
tão secas
e uma fobia
mortal
do sol
ele diz suas
primeiras palavras II.
a grande boca
aberta
que ontem
temia os anzóis
hoje articula
profecias
às margens do
rio
o bagre diz
aos ribeirinhos
que
Alguém vem
porque o bagre
tem
consciência
de que Alguém é
sempre alguém
importante
depois que Alguém não chega
os ribeirinhos
matam
e comem
o bagre
ele sabe amar
III.
como se tocasse
no fundo do rio
um banco
de areia
e dele
pudesse extrair
uma enorme
pérola
o bagre estica
as barbatanas
desavisado
cai na boca
de um predador
ele respira IV.
o bagre agora
sabe
reconhecer
o rosto
deformado
do mergulhador
sabe a exata
curvatura de um
anzol
o bagre não
tem pupilas
então
nunca mais
olhou
para o sol
exceto naqueles
dias
em que ele se
reflete
na água
um dia o bagre
vai
engolir
um ovo dourado
e quem sabe
com um par de
pulmões
vai dominar a
terra
por enquanto
ele espera e
nada
espera e nada
espera e nada
até que um dia
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