domingo, 21 de maio de 2017

o sonho lúcido de um bagre

ele sabe voar I.

como se num salto evolutivo
as barbatanas
se tornam asas
pequenas desajeitadas
o bagre veria no pássaro
um semelhante
se não tivesse as guelras
tão secas
e uma fobia mortal
do sol


ele diz suas primeiras palavras II.

a grande boca aberta
que ontem
temia os anzóis
hoje articula profecias
às margens do rio
o bagre diz
aos ribeirinhos que
Alguém vem
porque o bagre tem
consciência
de que Alguém é sempre alguém
importante
depois que Alguém não chega
os ribeirinhos matam
e comem
o bagre


ele sabe amar III.

como se tocasse
no fundo do rio
um banco
de areia
e dele
pudesse extrair
uma enorme pérola
o bagre estica
as barbatanas
desavisado
cai na boca
de um predador


ele respira IV.

o bagre agora sabe
reconhecer
o rosto deformado
do mergulhador
sabe a exata
curvatura de um anzol
o bagre não
tem pupilas então
nunca mais olhou
para o sol
exceto naqueles dias
em que ele se reflete
na água
um dia o bagre vai
engolir
um ovo dourado
e quem sabe
com um par de pulmões
vai dominar a terra
por enquanto
ele espera e nada
espera e nada
espera e nada
até que um dia 

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