domingo, 12 de novembro de 2017

O Papa-Mundo


            Eu nunca me esqueci de nada. Isto define uma vida longa: áspera, quando contra a língua. Gelo é uma das minhas memórias favoritas. Também penso em uma cor específica no espectro de verde, próximo ao azul, um adesivo costurado em algum suéter de um estranho, cujos olhos me chamaram a atenção. Não era nada sobrenatural, no entanto, era extenso como um bonde atrás de um bonde atrás de um bonde. Metal verde camuflado – foi o nome do meu primo sonho vívido.
            Eram estes os fardos dos quais não coseguia me livrar: devorar planetas quando sentia fome; sentir fome; não usar talheres. Minhas narinas tinham um peso colossal. Eu gostava de hóquei, mas não entendia o conceito por detrás do esporte. Lembro-me de assistir um jogo um dia e só. Lembro-me de uma linha de formigas na arquibancada do colégio e do garoto gordo que se sentou por cima delas com um sorriso cruel. Sua propensão ao vil me lembra da cor marrom e me abre o apetite.
            Mas o que come um Papa-Mundo? O que mata sua fome? Pouco, devo dizer, muitos engolem as folhas de jornal, digerem-nas com o gosto da verdade simples e direta – preto no branco. Eu sempre fui um afeiçoado às memórias. Principalmente ao som que algumas reproduziam ao bater no fundo do estômago. Minha fome é recriar estes sons. E como é ácida a sensação.
            Minha maior dificuldade é fechar os olhos: vejo sempre um cavalo, ou alguns cães. A cor de tudo é bege amarelado, início de verão. Aquilo que me escapa eu ainda não apanhei – a flor enterrada no subsolo.
           É o destino de um Papa-Mundo afinal, buscar abundância na penúria. Passar a vida com um vazio no estômago. A boca sempre seca. Pois que memórias só se comem depois de digeridas, só se lembram assim que perdidas.  

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