sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Marília ou um poema sobre o medo do mar


hoje passou um bicho lá fora
dizendo que é o fim
do nosso tempo
Marília, me perdoa
porque eu esqueci da sede
e você me pergunta
como que a sede
esquece da água?
Marília eu estou aqui
de fora do mar
com os pés para o alto
do céu seco
sem saber responder nada
que me perguntam
nome, idade, estado civil
e o que eu sabia
sobre filtrar o sal
e tapar o sol
eu não sei mais
pois bem Marília
não é outro tempo
de mentiras
e quando você voltar
com as contas na mão
e os pés sujos de terra
e me disser com a voz
grave
já se sabe notícias tuas?
vou dizer
que fui aos prantos
procurar conchas
no quebra-mar
eu nem gosto tanto
do mar Marília
eu tenho tanto
medo dos tubarões
e daqueles peixes
venenosos
que parecem pedras
e Marília
você já pisou
naqueles peixes
venenosos que parecem pedras?
será que um dia vamos
poder caminhar
sem temer sempre pisar
em pedras e peixes
venenosos
e me diga que
espécie de peixes somos
nós que bebemos
água até engasgar e
fingimos respirar ar
e mentimos sobre
ter ou não essas escamas
Marília você é
uma tilápia
uma traíra
um lambari?
qual será esse
nosso destino
você acredita em destino?
será que ele é um peixe
e será que a gente
pisa nele e pensa
que tem veneno, Marília?
eu tenho pensado
que eu corro demais
suo demais
penso demais
em coisas que não devo
imagina só se
esse peixe que
a gente pisa
a gente também põe na boca
e espeta na língua e
na cabeça e
espeta no dedão da mão
parece uma estranha
estupidez isso
não é
Marília?
mas talvez sejamos
estúpidos mesmo
nós que pisamos
no mar sem saber nadar
e reclamamos aos nossos pais
que nos afogávamos
mas ora
é uma questão de lógica
e nós sabemos tão pouco
sobre a lógica Marília
e então pensamos
que nadar no mar
fosse como que
andar
e respirar
e comer peixe
na casa da tia
no Rio de Janeiro
que são coisas que
Marília são tão
simples de fazer
mas é a lição foi aprendida
mesmo assim
você ainda tem medo
dessa água funda?
e você ainda percebe
a sensação que
se tem no nariz
depois de tomar um caldo?
Marília um caldo
é uma coisa
tão natural quando
um mergulho
somos nós que
tanto tememos nos afogar
de novo e pisar
de novo naquela pedra
peixe
pedra venenosa
e assim a memória
que é essa
escama esse veneno
ela pisa na gente
e diz
cabe ter medo
do mar
mas olha Marília
hoje já é dia 31
amanhã é outro ano
e eu começo a pensar
que já estamos tão sem jeito
mas que ainda é tempo
de esquecer tudo
que sabemos sobre o amor
e sobre pedras
e sobre peixes
e sobre veneno
e sobre tanto
Marília me dá a mão
e nós vamos juntos
tirar os pés
da areia



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