domingo, 18 de dezembro de 2016

maria ou um poema sobre mentir

Maria
eu sinto uma saudade
tão grande daqueles dias
em que eu era viajante
os dias em que eu montava
em rinocerontes na Ásia
em direção aquela pequena
cidade no Japão
onde eu compraria novos brincos
sim Maria eu sei
minhas orelhas nem são furadas
mas o que será
que meu olho viu
passar voando entre aqueles
dedos magros
que virou uma chave?
você entende disso
de fechaduras?
você entende porque
eu tenho mudado tanto
a cor daquele vaso
e as estampas das minhas cortinas?
e porque depois de tanto querer
encontrar um planeta novo
eu simplesmente
me decidi ficar?
Maria que vontade é essa
de ficar aqui na sua casa
fumando esse cigarro
elétrico e tecendo
nove possíveis caminhos
para um daqueles amores
de estação?
desde quando nós fumamos
cigarros elétricos?
que coisa é essa Maria
que dá vontade da gente chorar
que é essa mentira
que a gente conta
pro porteiro e pro taxista
e praquelas nossas amigas
que fizemos ontem
na porta do bar?
que mentira é essa
elétrica
que a gente fuma
e que a gente engole
e que a gente diz
que quer ir embora
e engolir fumaça mesmo
e vomitar sangue mesmo
e tossir rouco mesmo
Maria esse teu vinho de mentira
a gente comprou na quitanda
e trouxe pra jogar fora
na privada e dizer
pro seu irmão trancado no quarto
que bebemos vinho e que
recitamos poemas
e que
cantamos aquele antigo
disco do Belchior
inteiro enquanto dizíamos
ai tudo que eu quero é amar
porque nós somos falsos
Maria
e andamos por aí com nossos cigarros
elétricos
e nossos discos elétricos
nosso vinho elétrico
nossa garganta elétrica
rouca
de mentira
porque grita aos deuses
que nós plugamos na tomada
eu quero eu quero eu quero
mas Maria que bosta
de mentira é essa?
desde quando eu inventei
que eu fumaria esse cigarro
elétrico e cheiraria
desse pó elétrico
e engoliria dessa bala elétrica
só pra que no fim do dia
eu tivesse uma oração pra fazer
dizer ai meu deus
e suspirar essa poeira de mentira
Maria que longa volta
é essa?
que baita mentira é essa nossa
de sair pra comprar cigarros
no meio da noite
que eu nem sei mais acender

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