sexta-feira, 1 de setembro de 2017

a história de uma presa que, cansada de esperar pelo bote, insiste em viver

abro o caderno pra escrever um poema enquanto te espero na segunda

o poema não sai
mas ainda é cedo eu penso
porque ele vai demorar
como sempre demora e como
sempre vem dizendo
o dia tá apertado
eu devia comprar um maço de
revistas de consultório
eu penso
pra fingir que leio
olhar as fotos
das famosas dos vestidos
das famosas
e jogar para o lado
se tiver seção de piadas
eu paro
não acho graça
não acho mais graça em nada
fecho o caderno
pra ver se você vem
olho o celular
sua mensagem diz
estourou a guerra em Tróia
tive de partir
vai tecendo um manto, Penélope
pra te distrair
e este é seu último conselho


depois de te encontrar na terça

descemos a ladeira sem jogos de linguagem
atravessamos a rua
eu te dei um beijo de despedida e você
foi pra casa e você cozinhou algo
desde então
já usei uma fita azul no cabelo como
sinal da mais bonita calma
sem jogos e sem respostas
eu  na espera brinco a língua
 porque é isso o que eu tenho que você
não toma
o meu manto que costuro
e os meus vestido azuis de veludo
te espero desde
que desci a ladeira decidindo
que deste dia em diante não diria mais nada
mas meu fraco é esse
não sei jogar o jogo
em que você ganha
e estou tão perto do celular
pra pegar e te escrever
que hoje eu fiquei
um pouco com seu cheiro
e que isso de esperar
a gente tenta preencher
com a língua
e o tempo geme


 quarta é o dia

eu sentado embaixo de uma árvore
colhendo as merrecas
que são as recompensas
dos que esperam
quando você vem
desfaço meu manto
pela metade
quando você vem eu
por algum motivo
me lembro
de dinossauros
quando você vem o Papa
 Mickey e um
corredor  manco
todos sorriem porque
você chegou
seria tão rude
da minha parte
se eu não sorrisse também


 na quinta eu sempre acho que você esqueceu

e botei pra tocar Roberto Carlos
Lupicínio e Alcione
como dói
vou furando os dedos
costurando
minha manta
e choro
e torno a reclamar
com os pretendentes
ele disse que voltaria
espero por notícias de Ulisses
será que em Tróia não
pega 3g?


na sexta eu nego os arquétipos

Penélope foi ao Egito e pediu a Aladdin
uma dica preciosa
transformaria seu manto
em um tapete voador
vai Penélope virar o mundo
do avesso
sem mais esperar
sem mais procurar no Google
que horas acaba
a maldita guerra
em Tróia
mas quando estou na beirada
da montanha
um pé no ar e um pé
na rocha
você me liga
me distrai no papo
Circe me ofereceu uma cerveja
eu esqueci do tempo mas
já estou indo a te encontrar


 sábado eu não espero mais

lição da espera:
uma hora ela  tem que acabar
não é só sobre fugir
pro mar com meu
tapete mágico e esquecer
nós não vamos fazer do mar
a fuga
eu e Penélope vamos
pro Caribe
tomar banho de sol
trocar as mantas
por um biquíni
e fumar charutos caros
demais
charutos caros
demais


domingo você volta?

Penélope e eu fizemos três anos
de terapia e descobrimos
que não há Ulisses
que valha a espera
saímos a procura de novos hobbies
dança contemporânea
hip-hop e artesanato
pra nos ocupar dessa maldita
voz na nossa
cabeça
:uma boa Penélope espera
espera boa e espera doce
espera inerte sentada
costurando sua manta
quando Ulisses volta ela
chora de alergia
ele já não é mais como antes
ela tem artrite
ele conhece tantos lugares
ela permaneceu na varanda
depois de alguns
meses ele a julga burra
e a troca por uma Penélope
quinze anos mais nova
no domingo eu me olho no espelho
meus cabelos longos até
o umbigo
eu pergunto a Penélope
uma direção
ela me aponta o mar
me aponta Tróia
diz que meu destino
é esse
pegar de volta tudo
aquilo que você levou 

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