terça-feira, 24 de janeiro de 2017

maria ou um poema sobre dívidas

Maria quanto eu lhe devo?
veja há certa urgência
no ar ultimamente
há uma vontade seca
de escrever bilhetes
em papeis
e colá-los na geladeira
eu acho que perdi o ponto
perdi o ônibus
sentei na janela errada
ah Maria que dia quente
que ar mais úmido
que olho roxo o nosso
é uma enxaqueca tão longa
pra um dia tão curto
e isso é tudo que tenho
sentido, eu sei
que falta de emoção
não é mesmo minha amiga?
passo horas em meu quarto
publico fotos procuro coisas
que não fazem o menor
sentido e penso
que o tédio me deixou
sem graça
Maria eu não rio mais
de nada
e quando rio parece falso
me contento em ver
cenas engraçadas
e rir por dentro
ora
quando foi
que começamos
a rir por dentro?
isso é tão triste
eu estou a marcar
a hora que passa
o trem na ferrovia
toda noite e isso
é tão triste
me diga agora
como funciona isso de ter
pois eu temo que
tenha me tornado um cético
ou um cínico ou
um miserável
Maria
eu deveria me lembrar
mas eu não sei do que
ora eu tenho sido
um perfeito pessimista
eu tenho guardado
um rancor tão grande
tenho escrito mentiras
em papéis
que grudo na geladeira
depois finjo ler
com um sorriso
mas bom agora
que eu já disse
são mesmo mentiras
a verdade Maria, ela
eu não saberia escrever
e se escrevesse
talvez não soubesse
ter escrito
droga nós estamos
mesmo no caminho
pra nos tornar aqueles
parentes que se casam
aos trinta e dois
e dizem sempre
que não deviam estar casados
e gritam com os filhos
e traem os cônjuges
isto é cruel
Maria
o jeito como nos tornamos
tão céticos
o jeito como não
falamos disso
o jeito como desistimos
e achamos
que é bom desistir
porque no fundo
é o jeito mais fácil
eu estou sendo
sincero com você Maria
mas isso é raro
e eu me pergunto
quando foi que isso
começou?
quando foi que nós
deixamos isso
acontecer?
e me lembre
por fim
quanto é que eu
lhe devo? 

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