parece-me que
neste ano
couberam séculos
vi minhas mãos
transfiguradas
em coelhos
lulas
e pardais
respectivamente
redecorei meu
corpo
por sete vezes
pois ele não me
cedia mais espaço
neste ano a
crueldade de meus dedos
contra minha
faringe
muito me ensinou
sobre como a
compaixão e a empatia
tem sido
faringes
pressionadas
prestes a vomitar
neste ano eu que
não saia de casa
vi a Argentina
e a muralha da
China
e vi nascer da
boca de um homem
uma nova espécie
de água-viva
uma incapaz de
cura
neste ano não
pude dormir
e escrevi poemas
para não dormir jamais
e então me
recostar no travesseiro
e morder o nariz
da noite
inteiro
sem aperitivos
foi neste ano
que vi tanto ódio
e fingi não ver
o ódio
e pensei que o
ódio nunca
venceria o amor
e errei
e ainda não sei
como não
sentir ódio
neste ano andei
de mãos dadas
na rua
e me perguntei
se alguém
no ônibus teria
me visto
neste ano eu
disse a psicóloga
o tanto que eu
queria
ser visto
neste ano
escondi a chave
do apartamento
onde não morei
dentro da boca
de um desconhecido
e gritei na rua
com todos
os filhos de meu
pai
que eu não
queria mais
ser sozinho
e que queria ser
maior
que eu
neste ano eu
descobri
que há um
besouro
gigante no céu
e que ele nos
moldou do barro
e que se
formássemos um círculo
acenderíamos uma
estrela
na testa de Buda
e então ninguém
se sentiria sozinho
e talvez odiar
não tivesse
tanta urgência
e necessidade
neste ano
como todo ano
tento entender
três
mistérios:
o amor
as mariposas
e essas
fechaduras
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