sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

neste ano


parece-me que neste ano
couberam séculos
vi minhas mãos transfiguradas
em coelhos
lulas
e pardais
respectivamente
redecorei meu corpo
por sete vezes
pois ele não me cedia mais espaço
neste ano a crueldade de meus dedos
contra minha faringe
muito me ensinou
sobre como a compaixão e a empatia
tem sido faringes
pressionadas prestes a vomitar
neste ano eu que não saia de casa
vi a Argentina
e a muralha da China
e vi nascer da boca de um homem
uma nova espécie de água-viva
uma incapaz de cura
neste ano não pude dormir
e escrevi poemas para não dormir jamais
e então me recostar no travesseiro
e morder o nariz da noite
inteiro
sem aperitivos
foi neste ano que vi tanto ódio
e fingi não ver o ódio
e pensei que o ódio nunca
venceria o amor
e errei
e ainda não sei como não
sentir ódio
neste ano andei
de mãos dadas
na rua
e me perguntei se alguém
no ônibus teria me visto
neste ano eu disse a psicóloga
o tanto que eu queria
ser visto
neste ano escondi a chave
do apartamento onde não morei
dentro da boca de um desconhecido
e gritei na rua com todos
os filhos de meu pai
que eu não queria mais
ser sozinho
e que queria ser maior
que eu
neste ano eu descobri
que há um besouro
gigante no céu
e que ele nos moldou do barro
e que se formássemos um círculo
acenderíamos uma estrela
na testa de Buda
e então ninguém se sentiria sozinho
e talvez odiar
não tivesse tanta urgência
e necessidade

neste ano
como todo ano
tento entender
três
mistérios:

o amor
as mariposas
e essas fechaduras 

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