sábado, 26 de novembro de 2016

na volta

I.


eu não tenho ouvido as cartas
ou os sabiás
ou aquele rosto entalhado
na minha porta
eu não tenho ouvido a voz
que diz “vai calado”
mas principalmente
eu não tenho ouvido
da minha própria boca
nem bebido da minha
própria água
eu não tenho sede
que se cale por minhas próprias
mãos
não, eu não sei ouvir de cacos
esparramados pela varanda
nessa madrugada fria
às duas e trinta e cinco da manhã
é dia vinte e três e o sol
nós não nos preocuparemos com ele
eu tenho me esquecido
veja, fazem doze anos
úteis
e uma porta entre suas mãos
disse-me numa noite
que eu não era bom o bastante
isto ouvi 




II.
não lhe permitirei
navegar teus barcos
sob minha pele
 pois não lhe cabe descobrir
aqui
abrigo
há por debaixo
de minha cômoda
um imenso rato
preso docemente ao chão
este será seu primeiro presente
depois
um nó em minhas costas
abertas
uma mariposa entre meus dentes
um par de unhas partidas
uma orca adormecida
debaixo do umbigo
e então lhe darei
cravada em madeira
sua imagem numa proa
suas inicias
marcadas em minha boca
dura de sal

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